quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

A política nas obras de Allan Kardec


"Liberdade, igualdade, fraternidade. Estas três palavras constituem, por si sós, o programa de toda uma ordem social que realizaria o mais absoluto progresso da Humanidade, se os princípios que elas exprimem pudessem receber integral aplicação".
(Allan Kardec - 1804/1869 - in Obras Póstumas)

As obras básicas da doutrina espírita estão repletas de referências à vida de relação, ao homem de bem, à função social da ri queza, à vida em sociedade, à legislação humana em comparação à legislação divina, o que em última análise tem fortes conotações políticas. A questão é fazer -se uma leitura com o senso crítico voltado para esta área. Podemos fazer uma leitura da Codificação sob a perspectiva de qualquer ciência e é o que cada especialista tem procurado fazer, descobrindo referências importantes sobre coisas que, em muitos casos, ainda estavam por ser descobertas pela ciência, digamos, ortodoxa. Um exemplo para que o leitor nos compreenda melhor: O Livro dos Espíritos foi publicado em 18 de abril de 1857 com um conteúdo bastante acentuado, para a época, acerca da teoria da evolução. O livro de Charles Darwin, que trata especificamente sobre a evolução e seleção das espécies, veio a público em 1859 abalando os alicerces da ciência de então, ainda muito apegada aos conceitos criacionistas. A primeira obra da Codificação antecipou neste caso, como em muitos outros, as descobertas da ciência.
Mencionamos anteriormente o texto de Kardec, As aristocracias, inserido em Obras Póstumas, que demonstra a preocupação do professor Rivail com a evolução do poder político na Terra. Kardec não era um alienado. Era um homem inserido no seu tempo, preocupado com as grandes questões da humanidad e, fossem elas de natureza espiritual, social, política ou econômica. Seus escritos trazem sempre uma visão ampla sobre as questões de interesse coletivo, dentre eles as questões pertinentes à vida de relação. Sua preocupação com esse aspecto estendeu -se ao então nascente movimento espírita, o que deu origem a outro texto, pouco conhecido de muitos espíritas e que se chama Constituição do Espiritismo, também inserido em Obras Póstumas.
Mas, a grande contribuição do Espiritismo para a Política está na terce ira parte de O Livro dos Espíritos, denominada As Leis Morais, onde se levanta a questão da existência de um Estatuto Divino para a vida e que todos nós, individualmente ou coletivamente, deveremos nos adaptar a esse código eterno porque imutável e válido para tudo e todos em todos os quadrantes do Universo, constituindo -se um precioso referencial porque se apresenta, ali, o balizamento necessário ao processo da vida que é buscado por todos, mesmo que não tenham consciência disso.
Nessa parte do livro se estabelece claramente os conceitos de lei natural ou divina, como também a correta distinção entre os conceitos de Bem e Mal. Em seguida, temos a explicitação de forma muito didática de cada uma das Leis que ordenam, regulam e estabilizam o Universo em suas diversas esferas de existência física e extra-física. O simples conhecimento dessas leis possibilita o estabelecimento de princípios éticos mais estáveis, que deverão ser aperfeiçoados em sua prática diária, de conformidade com as experiências de cada um.
O conteúdo dessa terceira parte de O Livro dos Espíritos constitui uma verdadeira constituição-modelo que, seguramente no futuro será utilizada na elaboração das leis terrenas que correm em paralelo com as leis divinas. A Lei de Adoração estabelece a forma de relação entre o Criador e a criatura, confirma e sanciona a liberdade de culto e crença, pois são formas exteriores e acessórias daquele mencionado relacionamento entre a divindade e nós, seres humanos. A Lei do Trabalho é atualíssima e quem dera fosse do conhecimento dos legisladores e políticos da atualidade (podem ser dos políticos espíritas que desejarem levá -la ao plenário das Câmaras municipais, estaduais ou da União, devidamente contextualizadas), para que pudessem considerar o interesse de todos e não de alguns ou de algumas categorias profissionais. A Lei de Reprodução que nos possibilita investigar os termos da paternidade e maternidade conscientes, a questão do casamento e do celibato etc. A Lei de Conservação é uma boa matéria de reflexão para os juristas, pois os ajudaria a situar melhor a aplicação e distribuição de justiça. A Lei de Destruição é útil a todos pois esclarece que tudo é transitório, passageiro. As coisas se destroem aqui para ressurgirem ali modificadas e melhoradas.
A Lei de Sociedade nos aponta os caminhos da evolução da vida social. Defende a instituição familiar como indispensável para a formação do caráter e burilamento do Espírito, mostrando o equívoco daqueles que acreditam e apostam em seu fim, pois, segundo eles, a família tornou-se inviável e dispensável. É certo que a família em seus moldes tradicionais não se viabiliza mais; deverá se adequar aos novos tempos e às novas necessidades. Entretanto daí a dizer -se que ela tornou-se dispensável vai uma grande distância. A lei do Progresso, que como lei universal leva de vencida tudo aquilo que tende a estagnar-se, mostra que muitas coisas devem ser “esquecidas”, isto é, superadas para cederem lugar a outras melhores. A correta compreensão das desigualdades sociais, da estratificação da sociedade em classes, dos termos de igualdade entre homem e mulher e entre os seres humanos é dada pela Lei de Igualdade, um material de reflexão de suma importância para os eleitores e eventuais candidatos espíritas.
Na Lei de Liberdade vemos a recuperação de princípios básicos da vida humana. A liberdade de pensar, a liberdade de consciência, o livre arbítrio e outros assuntos são ventilados de forma a permitir seu desdobramento sob vários enfoques, principalmente o filosófico, o sociológico, o jurídico e o político. Enfim, a Lei de Justiça, de Amor e Caridade estabelece as bases do relacionamento humano e dos homens com Deus, encerrando com um capítulo intitulado Perfeição Moral. Em seu conjunto, como já foi dito, constituem um estatuto divino ao qual, mais dia menos dia, teremos todos que nos adequar, efetuando as necessárias correções de rota em nossa vida pessoal e coletiva, em busca da perfeição relativa que nos é concedida e da felicidade completa à qual estamos destinados pela vontade divina.


ESPIRITISMO E FORMAÇÃO POLÍTICA - Paulo R. Santos Ed. EME Pág. 18 a 20

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Os 7 pecados da Igreja Católica


Quais são os motivos que explicam a galopante queda de fiéis, principalmente jovens e mulheres, no maior país católico

Rodrigo Cardoso

Faz cerca de 140 anos que o número de católicos no Brasil segue ladeira abaixo. No século XIX, precisamente em 1872, o conglomerado de brasileiros que se assumia fiel à Igreja Católica beirava a totalidade da população, 99,7%. Durante os 100 anos seguintes, a cada década que se encerrava, aproximadamente 1% abandonava a religião. O índice dessa queda, atualmente, continua o mesmo. Mudou, porém, o fato de ele ocorrer a cada ano. Essa aceleração do declínio foi constatada pela pesquisa “Novo Mapa das Religiões”, realizada pelo Centro de Políticas Sociais da Faculdade Getulio Vargas. Ao processar microdados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) produzida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2003 e 2009, os estudiosos, capitaneados pelo economista Marcelo Neri, constataram que nesse intervalo de seis anos cerca de 6% da população deixou a religião romana – decresceu de 73,7% para 68,4%. O montante de fiéis que segue atualmente a doutrina preconizada pelo Vaticano é o mais baixo verificado no País. E, pela primeira vez na história, em alguns Estados e capitais da maior nação católica do planeta, o número de adeptos da religião não chega nem à metade dos habitantes (leia quadro). Quais seriam, então, os deslizes patrocinadores da queda do status do catolicismo entre os brasileiros, como as estatísticas não se cansam de mostrar? ISTOÉ recorreu a um colegiado de profissionais da religião, gente que pensa a Igreja, para discorrer sobre os possíveis pecados da Santa Madre. Eis os sete principais confessados.

1 Romanização da Igreja

É cantada em prosa e verso, já há algum tempo, a rejeição dos fiéis contemporâneos a autoridades religiosas que impõem doutrinas e ritos. Imposição, obrigação e restrição são palavras proscritas em um cenário no qual cada vez mais as pessoas se habilitam a estar no comando do próprio destino. A Igreja Católica, no entanto, caminha na direção oposta. Vive um momento de reinstitucionalização de seus fiéis, de os disciplinar para que aprofundem a sua fé. Os bispos defendem um contato maior com os bens religiosos, como missas e novenas. Esse processo preconizado pelo Vaticano é conhecido como romanização do catolicismo. “Bento XVI prefere uma Igreja menor e mais atuante em vez de uma maior sem atuação coerente e consistente”, afirma o cientista da religião Jung Mo Sung, da Universidade Metodista do Estado de São Paulo (Umesp). “A estratégia fortalece o fervor de uma minoria praticante, mas traz uma consequência não intencional da perda de adesão de católicos difusos.”

Esse efeito-rebote, somado à procura cada vez maior da população por curas e milagres que resolvam rapidamente seus problemas, tem levado esses católicos a migrar para outras denominações ou encorpar o grupo dos que fazem contato com o divino sem o intermédio de uma instituição. “A Igreja prefere que as pessoas que buscam soluções imediatas por meio de milagres não permaneçam nela”, diz o teólogo jesuíta João Batista Libanio. Diminui-se o número de católicos, mas, por outro lado, aumenta-se o dos praticantes conscientes.

2 Supermercado católico

Párocos têm relatado que seus templos estão existindo à imagem e semelhança de supermercados. Percebem que é cada vez maior o número de fiéis que procuram a igreja ocasionalmente, em busca de serviços religiosos como casamentos, missas de sétimo dia, batizados e bênçãos de lugares e objetos. Tratado como produto, o casamento, só para citar um dos “bens” católicos, se torna um evento alheio à doutrina. “Há casais que trazem o CD da novela que faz sucesso para tocar na cerimônia. Se você se nega, alguns inconformados batem boca com você, viram as costas e procuram quem o faça”, conta o padre José João da Silva, da paróquia São José Operário, em Itaquera, na zona leste da cidade de São Paulo. “Vivemos uma igreja fast-food.”

Nessa lógica de mercado, missa de sétimo dia tem se transformado em uma grande assembleia de gente que só foi ao templo por conta da ocasião e não está preocupada com o significado do ritual. Quanto aos batizados, explica o cônego Celso Pedro da Silva, da paróquia Santa Rita de Cássia, do Pari, zona norte de São Paulo, a Igreja supõe que quem quer que o filho se insira nela antes do uso da razão o faz porque dela faz parte e aceita suas regras. “O mesmo vale para a primeira comunhão, mas muitos pais não têm vínculos efetivos, nem foram casados na Igreja”, diz ele. “Acredito que uma dificuldade do catolicismo seja saber que o povo católico não é evangelizado e, mesmo assim, se comportar na prática como se ele fosse”, diz o cônego. O padre João Carlos Almeida, teólogo e diretor da Faculdade Dehoniana (SP), foi vigário paroquial no Santuário São Judas Tadeu, na capital paulista, por três anos. E conta que passava quase o dia todo atendendo a confissões e abençoando automóveis. “Muita gente trazia seu carro recém-comprado para ser benzido e ia embora. Poucos rezavam ou participavam de uma missa”, lembra. Com a oferta religiosa na vitrine, católicos assistem a seus fiéis se afastando dos vínculos espirituais.


3 Fuga de mulheres

Está lá no “Novo Mapa das Religiões”. Entre as 25 denominações pesquisadas, apenas no catolicismo a mulher não constitui a maioria dos adeptos (leia quadro à pág. 70). Entre evangélicos, espíritas, religiões de matriz africana, oriental e asiática, elas superam os fiéis do sexo masculino. As católicas, porém, são cerca de 67,9%, enquanto os homens são 68,9%. Neri, o organizador do estudo da FGV, atribui o resultado, entre outras interpretações, ao fato de as alterações no estilo de vida feminino ocorridas nos últimos 30 anos não terem encontrado eco na doutrina católica, menos afeita a mudanças. De fato, seguem engessadas na Igreja, só para citar três tabus, as questões sobre os métodos contraceptivos, o divórcio e o aborto.

De acordo com o teólogo Jorge Cláudio Ribeiro, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC), o catolicismo não gosta da mulher. “Ao que parece, elas, mal-amadas que são pela Igreja, estão se autorizando a não gostar da religião, a reagir”, diz ele. Seu colega de PUC, o padre e psicólogo João Edénio dos Reis Valle, afirma não ter dúvida de que a questão de gênero pesa na constante diminuição do número de católicos no País. “Ela pesa em especial nas mulheres de classes mais instruídas e em melhor posição socioeconômica”, afirma. “Essas não só percebem como discutem e não aceitam as posições da Igreja em relação a uma série de questões que as afetam.” E conclui discorrendo sobre a não participação clerical feminina. “Elas reivindicam um papel novo e ativo na vida da instituição.”

4 Escândalo de pedofilia

Em 2002, um grupo de mais de 500 pessoas levou à Justiça americana denúncias de abusos sexuais cometidos por sacerdotes e membros da arquidiocese de Boston, nos Estados Unidos. Esse escândalo foi a chama que fez arder uma fogueira de denúncias mundo afora, inclusive no Brasil. Na Irlanda, só para dar a dimensão do problema, a pedofilia acobertada por seis décadas pela hierarquia católica local foi tachada pela Anistia Internacional como o maior crime contra os direitos humanos já registrado na história daquele país. Para uma instituição que tem como bandeira a verdade sobre o mundo, ser atingida por problemas éticos que constituem crime representou um duro golpe. E a mazela dos escândalos de abuso sexual envolvendo crianças afastou muitos simpatizantes do catolicismo. É o que defende o cientista da religião Sung. “O militante não terá sua fé abalada. Mas os que se sentiam católicos por uma afinidade de infância ou inspirados em alguma figura pública podem ter deixado de ser por causa desses fatos.”

Para piorar, a Igreja não foi hábil na cicatrização da ferida. “Ela trabalhou a questão na base do segredo e do corporativismo. A lógica interna de uma instituição que se protege e não ventila o problema levou a ampliar o fenômeno, tornando-o uma sensação nos meios de comunicação”, afirma a socióloga da religião Brenda Carranza, da PUC de Campinas. Só há pouco tempo Bento XVI decidiu ordenar que os bispos abrissem normativas internas contra padres suspeitos de ser pedófilos e informassem as autoridades civis. Em setembro, ao visitar sua terra natal, a Alemanha, que perdeu 180 mil adeptos no ano passado por conta dos abusos sexuais praticados por sacerdotes, disse: “Posso compreender que, em vista de tais informações, alguém diga: ‘Esta já não é a minha Igreja.’”


5 Ausência de lideranças

Dom Hélder Câmara, arcebispo emérito de Olinda e Recife, falecido em 1999 aos 90 anos, foi quatro vezes indicado ao Prêmio Nobel da Paz. Grande defensor dos direitos humanos durante a ditadura militar brasileira, homem de vida simples que morava no quartinho de uma sacristia no Recife, ele foi um expoente internacional da Igreja Católica. Multidões se mobilizaram ao seu redor, no Brasil e na Europa, para ouvi-lo. Atualmente, porém, não há entre o colegiado católico nacional símbolos como dom Hélder, capaz de cooptar fiéis por meio do exemplo. “Numa sociedade moderna, em que a adesão à religião acontece por opção pessoal, é preciso que haja nomes admirados publicamente”, diz Sung, da Umesp. As grandes figuras católicas da atualidade são os padres cantores. Eles, porém, fazem eco entre os católicos militantes, explica Sung, mas não são referência para setores não atuantes do catolicismo. A Igreja deixou de ser representativa entre os brasileiros como algo a ser admirado há quase duas décadas. Dom Paulo Evaristo Arns, cardeal emérito de São Paulo que lutou contra a tortura e os maus-tratos a presos políticos durante a ditadura, e uma dessas figuras que inspiraram muitos católicos, se aposentou em 1998. “Dom Paulo é uma personalidade que enfrentou um regime militar, criava afinidade entre o povo e a instituição”, afirma o padre Libanio. Aos 90 anos, Arns vive recluso em Taboão da Serra, na Grande São Paulo, enquanto sacerdotes empunham microfones para cantar e fazer coreografias de suas músicas no altar.

6 Comunicação centralizada

Há comunidades dentro do catolicismo que lançam mão de tecnologias para se relacionar com os jovens. Elas têm escancarado à Igreja, segundo a socióloga da religião Brenda, que não é mais possível seguir com a ideia de que o fiel se encontra na paróquia. Estabelecida em sua maioria em grandes centros urbanos, essa turma mais nova sofre com o impacto da mobilidade, do crescimento acelerado, do consumo exacerbado, enfim, elementos que a fazem estabelecer relação com a crença muitas vezes a distância. Para a professora da PUC, a noção de participação das novas gerações urbanas é pautada pela afinidade. O jovem busca uma instituição quando se identifica com ela, independentemente da proximidade física. “Mas a noção da Igreja de paróquia é territorial”, diz Brenda. Para o padre Libanio, enxergar as demandas da população e repensar até onde a religião pode ir na direção delas é o caminho para o futuro do catolicismo. “Os fiéis querem aquilo que os satisfaz e têm buscado muito o mundo virtual”, diz ele. “A Igreja Católica tem de repensar a sua estrutura paroquial.”


7 Perda de identidade social

Houve um tempo, em muitas cidades do interior do País principalmente, que frequentar uma igreja era condição obrigatória para quem quisesse engatar um relacionamento amoroso sério. Quantos garotos não foram riscados por potenciais sogras da lista de pretendentes pelo fato de não irem à missa? Assumir-se membro de uma entidade religiosa – católica, de preferência – conferia pertençer a um grupo social. Diante da pressão para uma definição religiosa, muita gente tendia a assumir a crença na qual havia sido batizado, mesmo que exercitasse também a sua fé em terreiros de umbanda ou centros espíritas. “Católico era o imenso guarda-chuva cultural e religioso que permitia o trânsito espiritual”, diz Brenda Carranza, da PUC. Com a disseminação do processo de secularização no campo religioso nacional, essa prática foi ficando obsoleta. A possibilidade de expressar a fé livre de preconceitos tem feito com que cada vez mais os brasileiros, quando submetidos a censos, assumam que não seguem os dogmas defendidos pela Santa Sé ou mesmo nenhum credo – daí o grupo dos sem-religião também estar em crescimento. O catolicismo, então, perdeu a status de produtor de identidade social.

Revista Isto É - N° Edição:  2187 

http://www.istoe.com.br/reportagens/166428_OS+7+PECADOS+DA+IGREJA+CATOLICA

Relacionamento Conjugal


Via de regra, antes do matri­mônio, as coisas correm às mil maravilhas, no que diz respeito ao trato recíproco que os pretendentes se dispensam.
Só depois de casados é que se esboça o capítulo, desconhecido e surpreendente, do relacionamento conjugal.
Não poucos custam a firmar di­retrizes.
Certo, precisarão fazê-lo, um tomando por ponto de referencia o outro.
Ela, a mulher, procurando en­tender a situação do marido.
Sem exigir-lhe mais do que ele pode fazer em benefício da família.
Sem exasperar-se com as suas dificuldades de obtenção de remu­neração mais compensadora.
Sem cansá-lo com reclamações e queixas.
Sem sobrecarregá-lo com as­suntos inconvenientes e indesejá­veis.
Sem deprimi-lo por invocar, como confronto, a situação de ou­tros casais mais bem situados na vida.
Sem dar o que saber aos vizi­nhos do que se passa em sua pró­pria casa.
Sem indispor-se a propósito de qualquer coisa ou de casos de somenos importância.
Sem implicar com ninguém, nem deixar-se implicar em nenhu­ma situação menos compatível com a nobreza e dignidade do es­pírito feminino.
Sem faltar com a devida consi­deração ao esposo, de quem pro­curará obter o reconhecimento dos seus direitos, fazendo-lhe sentir que estes são uma decor­rência da reciprocidade de deveres pertinentes à pauta comum de ambos.
Calar e ouvir, quando necessá­rio.
Esclarecer e ponderar, por ve­zes, em busca de um acordo amis­toso.
Ele, o marido, aquilatando da responsabilidade de ter saído do lar paterno, para o seu, uma jovem, hoje sua esposa, a quem deve res­peito e preservação, proteção e de­fesa, tal como os desfrutava quando em companhia dos pais.
Honrando-a e honrando-se a seu lado.
Fazendo-a respeitada e querida pelos filhos.
Calando-lhe os defeitos e proclamando-lhe as qualidades, junto a terceiros.
Considerando o lar como ofici­na de trabalho e escola de aperfei­çoamento.
Pugnando denodadamente por resguardar o prestígio do matrimô­nio e enaltecer o conceito de famí­lia.
Comprazendo-se no convívio dos seus.
Interessando-se por tudo e por todos, em casa.
Dispensando toda a atenção aos assuntos veiculados pela sua con­sorte.
Diminuindo exigências, sopitando imposições.
Estimulando esforços e valori­zando iniciativas.
Dando tudo de si, sempre espe­rançado de que, das sementes plan­tadas, brotem, um dia, flores e frutos na lavoura do ideal da união.
Claro que ela, a mulher, e ele, o marido, a que nos referimos, enten­de-se, aqui, como casais bem-inten­cionados e sinceros, que procu­ram dignificar a vida conjugal, e não como os que fazem do lar apenas refeitório, dormitório, vestiário, sem falar em outros des- virtuamentos menos indicados à citação.
Vida conjugal — sabemo-lo bem — significa conjuga­ção de esforços, associação de aspirações nas lutas cotidianas, inquebrantável propósito de soli­dariedade em todos os transes e lances da existência em comum, em que os cônjuges, apoiados um no outro, caminham ombro a om­bro, lado a lado, para darem a volta por cima, transpondo eventuais barreiras que se lhes antepuserem aos passos no dia-a-dia da trajetó­ria terrena a que se propuseram percorrer juntos.
Não é fácil a sustentação dessa aliança, na experiência a dois. Faz-se mister a preponderância de fatores, tais como: inviolável fortaleza de ânimo, vigoroso espírito de con­fiança, perene perseverança, im­perturbável serenidade, alentado espírito de otimismo, profundo sentido de fidelidade, vigor de ideais e aspirações e capacidade de captação de elevadas inspirações, para que tudo transcorra segundo os desígnios da Suprema Vontade do nosso Criador e Pai Celestial.
Cientes e conscientes da reali­dade dessa situação, quase sempre caracterizada por surpresas e im­previstos, é que achamos por bem assinalar semelhantes aspectos da estrutura do lar e sustentação da família, nos domínios das expe­riências domésticas.


Passos Lírio


 REFORMADOR, MARÇO, 1995

A VIOLÊNCIA URBANA CAUSA PROFUNDA

A VIOLÊNCIA URBANA CAUSA PROFUNDA JOÃO BATISTA BRAGANÇA "A violência está de tal modo arraigada em cada um dos passos e gestos do homem que não se pode deixar de indagar se ela é um fenômeno típico de nossa epoca" "É o atraso moral do Espírito o responsável pelas expressões de violência que manifesta, não sendo as condições ambientes mais do que fatores de agravamento ou de diminuição dessas expressões” A violência, na atualidade, faz parte da rotina, especialmente da rotina das grandes cidades. Independentemente de sua intensidade, ela está presente nos bairros sofisticados e nas favelas, no centro e na periferia, atingindo a todos. A primeira imagem que nos ocorre em relação à violência é a da agressão física. Mas, o que é violência? Quais as suas formas e como ela se manifesta? É sempre fácil identificá-la? Procuremos refletir sobre o assunto, buscando as informações em obras que dele tratam do ponto de vista exclusivamente materialista e em obras espíritas, em que é examinado do ponto de vista espiritual, para que possamos adquirir uma visão mais precisa desse tema tão atual. A violência é definida como: “constrangimento físico ou moral; uso da força; coação” . Nilo Odalia , professor titular de Filosofia da Universidade do Estado de São Paulo em Araraquara, apesar de evitar definições, considera a vio¬lência sob a forma de privação, dizendo que “todo ato violento significa tirar, destituir, despojar alguém de alguma coisa'\ Com essa idéia de privação, segundo ele, fica mais fácil descobrir a vio-lência onde ela estiver, por mais camuflada que esteja sob monta¬nhas de preconceitos, costumes, leis e legalismos. A violência está de tal modo arraigada em cada um dos passos e gestos do homem que não se pode deixar de indagar se ela é um fenô¬meno típico de nossa época. O viver em sociedade, entretanto, foi sempre um viver violento. Por mais que recuemos no tempo, ob servamos que a violência está presente, cm suas várias faces. A violência que caracterizou o homem pré-histórico, contudo, não tem o mesmo contorno, a mesma signifi¬cação desta que ocorre em sociedades complexas e diferenciadas. A violência iniciada no gesto do hominídeo que descobriu a utilização de ossos como arma contundente e mortal não é a mesma que a do ho¬mem contemporâneo, expressa no latrocínio, no estupro, no seqüestro, no crime hediondo. No decorrer da civilização, vemos a violência delinear-se diferentemente, recobrir-se de formas sutis, ser institucionalizada muitas vezes. Isso porque o ato violento não traz em si uma etiqueta de identificação e por isso nem sem¬pre é percebido como tal. Além da violência que se traduz pela agressão, existem outras formas de violência como: escravidão (uma das mais degradantes); violência no trânsito; poluição ambiental; utilização indiscriminada de agrotóxicos; analfabetismo; discriminação de raça, cor, sexo, religião; desemprego; precariedade de serviços de saneamento básico; leis que impedem classes sociais de se organizarem; domínio de massas pela manipulação dos meios de comunicação e outros processos. Cada um desses fatos é uma violência social ou política, que denigre o ser humano, negando a própria razão de se viver cm sociedade. A violência urbana, traduzida pela agressão mais explícita, é bem retratada pelo Dr. Edmundo C. Coelho , professor do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro. Segundo esse autor, até a primeira metade da década de 60, o assalto a banco e seqüestros com resgate eram mo¬dalidades de crime desconhecidas no Brasil; o tráfico de tóxicos era reduzido e sem estruturação; os homicídios eram mais de natureza passional do que resultantes de atividade organizada, como quadrilhas, esquadrão da morte, etc. Informa ainda o professor que se modificaram os padrões do crime e se elevaram as taxas de criminalidade. Violências como assalto à mão armada, o latrocínio, o estupro alteram os hábitos dos cidadãos, hoje enclausurados em suas moradias, deterioriando sua qualidade de vida Isso se expressa também no resultado consistente de inúmeras pesquisas que apontam a segurança como primeira reivindicação das populações metropolitanas. E quais seriam as causas dessa violência? Do ponto de vista das instituições materialistas, a questão é polêmica e apresentada em duas posições . Uma, designada como justiça distributiva, diz que a violência está relacionada com o desenvolvimento econômico e as disparidades sociais. O criminoso seria vítima das precárias condições socioeconômicas a que a sociedade o relegou. Para reduzir a criminalidade violenta a níveis aceitáveis, a solução seria a adoção de políticas de erradicação da pobreza, do analfabetismo, do desemprego, etc. A outra, designada como justiça retributiva, relaciona a violência com a impunidade e as falhas no aparato de repressão, que debilitariam o sentimento de respeito às leis e estimulariam a criminalidade. Para reduzi-la, a solução seria a adoção de medidas dissuasórias rigorosas como aparelhamento da força policial; aperfeiçoamento da máquina judiciária para apreensão certa e rápida do criminoso; mais rigor na aplicação das penas e no cumprimento das sentenças. Sem menosprezar as conclusões de sociólogos e estu¬diosos do assunto, devemos refletir sobre esse importante tema, com o socorro e a luz do Espiritismo, abrangendo o ponto de vista espiritual. A Doutrina dos Espíritos nos esclarece que somos individualidades a caminho da perfeição, trazendo ainda conosco, no momento, muitos vícios, hábitos infelizes e paixões que expressam todo o nosso atraso espiritual ou moral, apesar do progresso intelectual já realizado. Informados, ainda, que essas características nos tem acompanhado cm nossas múltiplas existências e continuarão em nosso caminho, se não usarmos de vontade firme, para reduzi-las ou exterminá-las. Assim, basicamente, é o atraso moral do Espírito o responsável pelas expressões de violência que manifesta, não sendo as condições ambientes mais do que fatores de agravamento ou de diminuição des¬sas expressões. Dentre os vícios ou imperfeições que caracterizam o atraso moral do Espírito e que se encontram na raiz de todos os seus males, inclusive o da violência com seus efeitos dolorosos, sobressai o egoísmo. Em “O Evangelho segundo o Espiritismo”, encontramos belíssima página sobre o egoísmo, de autoria do Espírito Emmanuel, o Benfeitor Espiritual a quem tanto devemos pela portentosa tarefa de Evangelização no Brasil, com a missão do livro espírita junto ao médium Chico Xavier. Nessa página, o egoísmo é destacado como causador de todas as misérias do mundo terreno, como antagonista da caridade e chaga que impede, ainda, a ascensão da Terra na hierarquia dos mundos . Muitos deliqüentes são formados na dura escola da miséria, na falta de orientação adequada. Há milhões dc pessoas no Brasil precisando urgentemente de calor humano, de interesse por sua sorte. Se os habitantes das grandes cidades brasileiras, sitiadas pela violência, fossem ao encontro do menor abandonado, certamente muito auxiliariam na solução do problema. Todos ansiamos pela lei e pela ordem, entretanto, só há uma lei capaz de acalmar os ânimos e impor a ordem no mundo, harmoni¬zando indivíduos e coletividades: é a lei do Amor. Como nos ensina Simonetti: “A lei do amor é mil vezes mais eficiente do que a coerção, a repressão, a prisão, a ação policial, porque todos os recursos de força com os quais se pretenda conter os impulsos criminosos do homem o atingirão sempre de fora para dentro, como um ato de violência, provocando reações semelhantes e exacerbando sua agressividade. (...) O amor trabalha diferente. Opera de dentro para fora, atinge o indivíduo em sua intimidade, sensibiliza seu coração, contcm seus impulsos inferiores, desperta sua consciência, dispa¬ra dentro dele o processo de sua própria renovação.” Mas a Grande Mensagem do Cristo jaz esquecida de imensa parcela da Humanidade que vive em completa indiferença diante do próprio destino. A ignorância a respeito de nossa verdadeira natureza também está na raiz de nossos males. É ainda o Benfeitor Emmanuel quem nos socorre, ensinando- -nos que “o criminoso é sempre um de nós que foi descoberto”, conclamando-nos à tolerância, ao perdão, à remoção das causas profundas de nosso atraso moral, para que seja eliminada a violência da face da Terra . Sabemos que é chegada a hora da Renovação Moral, do conhecimento espiritual do homem, do conhecimento de si mesmo. Todos os valores estão sendo aferidos e uma Nova Era de mais compreensão se prenuncia. O momento de violên¬cia e dor que vivemos reflete essa transição e é preciso que os espíritas cristãos “estejam a postos, não para se salvarem da refrega que atingirá a todos, mas para que se¬jam exemplos vivos de trabalho edificante, de solidariedade, de fé e esperança"9. • 1.FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2a ed., 1986. 2.ODALIA, Nilo. O que é violência. São Paulo, Edilora Brasiliense, 2ª. ed., Coleção Primeiros Passos, 1985. 3.ODALIA, Nilo. Ibidem. 4.COELHO, Edmundo Campos. A criminalidade urbana violenta. In: Revista de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, vol. 31, n2 2, 1988, págs. 145-183. 5.Idem, Ibidem. 6.KARDEC, Allan. “O Evangelho se¬gundo o Espiritismo'*. Rio de Janeiro, FEB, 109a ed., 1980. 7.SIMONETTI, Richard. A sociedade somos nós. In: REFORMADOR n2 1934, Rio de Janeiro, FEB, maio de 1990, pág. 146. 8.BACELLI, Carlos. À sombra do Abacateiro. Pág. 29, edição dc 1989. 9.SOUZA, Juvanir Borges de. Deveres. In: REFORMADOR n2 1944, Rio de Janeiro FEB, março de 1991, págs. 67-69. REFORMADOR, MAIO, 1995