quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

A política nas obras de Allan Kardec


"Liberdade, igualdade, fraternidade. Estas três palavras constituem, por si sós, o programa de toda uma ordem social que realizaria o mais absoluto progresso da Humanidade, se os princípios que elas exprimem pudessem receber integral aplicação".
(Allan Kardec - 1804/1869 - in Obras Póstumas)

As obras básicas da doutrina espírita estão repletas de referências à vida de relação, ao homem de bem, à função social da ri queza, à vida em sociedade, à legislação humana em comparação à legislação divina, o que em última análise tem fortes conotações políticas. A questão é fazer -se uma leitura com o senso crítico voltado para esta área. Podemos fazer uma leitura da Codificação sob a perspectiva de qualquer ciência e é o que cada especialista tem procurado fazer, descobrindo referências importantes sobre coisas que, em muitos casos, ainda estavam por ser descobertas pela ciência, digamos, ortodoxa. Um exemplo para que o leitor nos compreenda melhor: O Livro dos Espíritos foi publicado em 18 de abril de 1857 com um conteúdo bastante acentuado, para a época, acerca da teoria da evolução. O livro de Charles Darwin, que trata especificamente sobre a evolução e seleção das espécies, veio a público em 1859 abalando os alicerces da ciência de então, ainda muito apegada aos conceitos criacionistas. A primeira obra da Codificação antecipou neste caso, como em muitos outros, as descobertas da ciência.
Mencionamos anteriormente o texto de Kardec, As aristocracias, inserido em Obras Póstumas, que demonstra a preocupação do professor Rivail com a evolução do poder político na Terra. Kardec não era um alienado. Era um homem inserido no seu tempo, preocupado com as grandes questões da humanidad e, fossem elas de natureza espiritual, social, política ou econômica. Seus escritos trazem sempre uma visão ampla sobre as questões de interesse coletivo, dentre eles as questões pertinentes à vida de relação. Sua preocupação com esse aspecto estendeu -se ao então nascente movimento espírita, o que deu origem a outro texto, pouco conhecido de muitos espíritas e que se chama Constituição do Espiritismo, também inserido em Obras Póstumas.
Mas, a grande contribuição do Espiritismo para a Política está na terce ira parte de O Livro dos Espíritos, denominada As Leis Morais, onde se levanta a questão da existência de um Estatuto Divino para a vida e que todos nós, individualmente ou coletivamente, deveremos nos adaptar a esse código eterno porque imutável e válido para tudo e todos em todos os quadrantes do Universo, constituindo -se um precioso referencial porque se apresenta, ali, o balizamento necessário ao processo da vida que é buscado por todos, mesmo que não tenham consciência disso.
Nessa parte do livro se estabelece claramente os conceitos de lei natural ou divina, como também a correta distinção entre os conceitos de Bem e Mal. Em seguida, temos a explicitação de forma muito didática de cada uma das Leis que ordenam, regulam e estabilizam o Universo em suas diversas esferas de existência física e extra-física. O simples conhecimento dessas leis possibilita o estabelecimento de princípios éticos mais estáveis, que deverão ser aperfeiçoados em sua prática diária, de conformidade com as experiências de cada um.
O conteúdo dessa terceira parte de O Livro dos Espíritos constitui uma verdadeira constituição-modelo que, seguramente no futuro será utilizada na elaboração das leis terrenas que correm em paralelo com as leis divinas. A Lei de Adoração estabelece a forma de relação entre o Criador e a criatura, confirma e sanciona a liberdade de culto e crença, pois são formas exteriores e acessórias daquele mencionado relacionamento entre a divindade e nós, seres humanos. A Lei do Trabalho é atualíssima e quem dera fosse do conhecimento dos legisladores e políticos da atualidade (podem ser dos políticos espíritas que desejarem levá -la ao plenário das Câmaras municipais, estaduais ou da União, devidamente contextualizadas), para que pudessem considerar o interesse de todos e não de alguns ou de algumas categorias profissionais. A Lei de Reprodução que nos possibilita investigar os termos da paternidade e maternidade conscientes, a questão do casamento e do celibato etc. A Lei de Conservação é uma boa matéria de reflexão para os juristas, pois os ajudaria a situar melhor a aplicação e distribuição de justiça. A Lei de Destruição é útil a todos pois esclarece que tudo é transitório, passageiro. As coisas se destroem aqui para ressurgirem ali modificadas e melhoradas.
A Lei de Sociedade nos aponta os caminhos da evolução da vida social. Defende a instituição familiar como indispensável para a formação do caráter e burilamento do Espírito, mostrando o equívoco daqueles que acreditam e apostam em seu fim, pois, segundo eles, a família tornou-se inviável e dispensável. É certo que a família em seus moldes tradicionais não se viabiliza mais; deverá se adequar aos novos tempos e às novas necessidades. Entretanto daí a dizer -se que ela tornou-se dispensável vai uma grande distância. A lei do Progresso, que como lei universal leva de vencida tudo aquilo que tende a estagnar-se, mostra que muitas coisas devem ser “esquecidas”, isto é, superadas para cederem lugar a outras melhores. A correta compreensão das desigualdades sociais, da estratificação da sociedade em classes, dos termos de igualdade entre homem e mulher e entre os seres humanos é dada pela Lei de Igualdade, um material de reflexão de suma importância para os eleitores e eventuais candidatos espíritas.
Na Lei de Liberdade vemos a recuperação de princípios básicos da vida humana. A liberdade de pensar, a liberdade de consciência, o livre arbítrio e outros assuntos são ventilados de forma a permitir seu desdobramento sob vários enfoques, principalmente o filosófico, o sociológico, o jurídico e o político. Enfim, a Lei de Justiça, de Amor e Caridade estabelece as bases do relacionamento humano e dos homens com Deus, encerrando com um capítulo intitulado Perfeição Moral. Em seu conjunto, como já foi dito, constituem um estatuto divino ao qual, mais dia menos dia, teremos todos que nos adequar, efetuando as necessárias correções de rota em nossa vida pessoal e coletiva, em busca da perfeição relativa que nos é concedida e da felicidade completa à qual estamos destinados pela vontade divina.


ESPIRITISMO E FORMAÇÃO POLÍTICA - Paulo R. Santos Ed. EME Pág. 18 a 20

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